Na pandemia, você escolhe saúde ou dinheiro? O seu cérebro explica

Modelo mental que influencia nosso comportamento nos investimentos é o mesmo que molda como lidamos com a quarentena

Foto: GettyImages

A teoria econômica tradicional tem como premissa a existência do “homo economicus”. Aquele que conhece todos os dados disponíveis e toma uma decisão racional. Contudo, psicólogos e alguns economistas, por meio de pesquisas empíricas, provaram que o ser humano está muito longe da racionalidade.


Os psicólogos Daniel Kahneman e Amos Tversky criaram a Teoria da Perspectiva ou do Prospecto. Essa tese vale para os investimentos, mas podemos extrapolá-la para a forma como as pessoas se comportam na quarentena: aderindo ao #fiqueemcasa ou saindo à rua.
Na teoria tradicional, uma pessoa ganhar R$ 500 ou perder R$ 500 lhe traz a mesma sensação apenas com o sinal contrário. Mas sabemos por experiência que perder dinheiro é mais doloroso.


Os estudos de Kahneman e Tvesrky mostraram que os voluntários diante de situações de ganho, preferiam a coisa certa, fugindo do risco. Buscam evitar a sensação de perda. Por outro lado, confrontadas com duas escolhas ruins, aceitavam o risco, tinham menos medo.
O livro “Rápido e Devagar, duas formas de pensar” do Kahneman traz o seguinte exemplo:
Hipótese 1: O que você prefere: ganhar US$ 900 COM CERTEZA ou ter 90% de chances de ganhar US$ 1.000.


Ambas possuem valor esperado de US$ 900. Mas a chance de levar zero na segunda alternativa, fez com que a maioria escolhesse a primeira opção. O ditado “melhor um pássaro na mão do que dois voando” se fez valer. As pessoas fugiram do risco, foram avessas à perda, foram "medrosas".


Hipótese 2: O que você prefere: perder US$ 900 COM CERTEZA ou ter 90% de chances de perder US$ 1.000.


Tal como acima, o valor esperado é de perder de US$ 900 em ambos os casos.
Mas, aqui, os participantes preferiram a possibilidade de perder US$ 1.000 do que a certeza de "só" perder US$ 900. Assumiram o risco defronte de duas escolhas ruins.

O exemplo mostrou que o ser humano não reage da mesma forma em situações de ganho e perda. Na primeira, existe aversão à perda. Na segunda, não.


Essa teoria explica o porquê de, em uma carteira de ações, preferirmos vender as ações que já apresentaram ganhos do que alienar as que ainda estão no prejuízo. O investidor pensa: “já estou ganhando, deixa eu embolsar o dinheiro logo”. Ele fica avesso à perda, foge do risco.
 

Contudo, na parcela com rentabilidade negativa, ele usa argumento contrário: “quem sabe uma hora essa ação não anda?”. Ele assume o risco, fica corajoso. O ser humano não quer realizar a perda agora mesmo que para isso possa ter prejuízo ainda maior, caso as ações continuem caindo. Situação análoga à da hipótese 2 do livro, quando os voluntários preferiram perder até US$ 1.000 ao invés de limitar a perda em US$ 900.
 
Essa estratégia é questionável. O investidor pode estar vendendo as ações de companhias que vêm apresentando bons resultados operacionais, cuja alta da cotação apenas reflete esse bom momento, e mantendo as ações de empresas problemáticas.


Agora, vamos extrapolar esse raciocínio para como as pessoas se comportam na quarentena:
Hipótese 1: a pessoa tem poupança acumulada ou emprego com estabilidade. Sair à rua acrescentará pouco ao seu estado de riqueza, além de aumentar o risco de contrair o coronavírus. Logo, ela tende a ser adepta do #fiqueemcasa. Tal como nos exemplos de ganhar US$ 900 ou US$ 1.000 ou do investidor que vende as ações ganhadoras, essa pessoa será avessa à perda, pois o possível ganho adicional não compensa o risco.


Hipótese 2: a pessoa tem reserva pequena e não possui estabilidade de renda. Ela está diante de duas péssimas escolhas: ficar em casa e ter dificuldades de bancar as despesas básicas da família ou ir para a rua em busca de recursos mesmo sabendo da possibilidade de contrair a doença. Essa pessoa, possivelmente, tomará mais risco do que a da hipótese 1 e optará por não cumprir a quarentena. Isso não significa que ela seja negacionista ou ignorante. Ela apenas ponderou qual escolha faz mais sentido para ela.

Uma das maiores verdades que li sobre a pandemia é a de que todos estão sob a mesma tempestade, mas nem todos estão no mesmo barco. Entender o ponto de partida de cada um mostra que a escolha não é tão simples: saúde ou dinheiro.


A teoria comportamental legitima os dois pontos de vista. Isso torna o debate mais saudável e menos politizado.

 

Fonte: Valor Investe

https://valorinveste.globo.com/blogs/andre-rocha/post/2020/05/na-pandemia-voce-escolhe-saude-ou-dinheiro-o-seu-cerebro-explica.ghtml

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